sábado, 15 de novembro de 2014

O CEARÁ NA POESIA DE ANTÔNIO SALES

ALBA VALDEZ


A poesia de Antônio Sales desperta uma emoção de beleza, a beleza sempre nova do espírito embebido em alta visão.
Na poesia de Antônio Sales, quiçá em toda a sua obra de escritor, essa alta visão é a terra do berço, que ele enalteceu, como um criador de ritmos dominadores.
É uma forma visível da sua inspiração, da sua arte vivaz, este Ceará imprevisto, cambiante, que encontra no grande sofrimento a grande força de resistir.
Houve tempo em que o poeta viveu longe do céu cearense e, então, escreveu Minha Terra. Livro de subjetivismo adorável, de ressonâncias duradouras. Na continuidade das páginas antológicas, Ofertório é o poema inicial.
Quanta vibração de cor, de som, de luz, nessas estrofes de mármore e ouro!

OFERTÓRIO


Oh, Minha Terra!
Oh,· minha grande Mãe de areia e argila,
Que um puro céu refletes na pupila;
Mãe dolorosa, a quem às vezes
O vento e o sol declaram guerra
Durante longos, longos meses,
Ceifando vidas e fechando lares,
Matando a fauna, aniquilando a flora,
Reduzindo a desertos tumulares
As estâncias ubérrimas de outrora;

Eu, que sempre te amei e mais te amando
Quando, na terra alheia,
Com saudades de ti andei chorando
E meus prantos dispersos,
Caídos sobre a areia

Da gleba estranha, transformando em versos;
Oh! Minha Terra, de que sou apenas
Uma frágil partícula, animada
Pelo sopro de Deus, das mais pequenas,
Mas brilhando com a luz de ti jorrada,
De ti, Terra da Luz, que em luz te abrasas,
Como a Fênix da lenda,
E alfim surges das cinzas, estupenda
De força e graça; abrindo novas asas;

Oh! Minha Terra,
Que és bela como-quer que te apresentes
- Praia, sertão, planície, vale ou serra -
A despeito dos fados inclementes,
Com teus tão puros ares,
Com teus céus tão formosos,
Com teus vírides mares,
Com teus bosques umbrosos,
Com teus filhos ousados, diligentes,
Com tuas filhas belas, corajosas,
Honestas e fecundas,
Gente estóica, medrada aos sóis ardentes,
Almas cheias de arrojos e ternuras,
Destemidas, jucundas,
E no crisol da dor feitas mais puras,
- Cardos que o amor faz rebentar em rosas;

Oh, Minha Terra, cuja mente clara
Do pensamento altas belezas cria,
Na exuberância eugênica de seara
Que em messes de ouro irrompe cada dia;
Terra de Luz, não só por que te doura.
Eternamente um sol nunca obumbrado,
Mas também por que a luz imorredoura
Do teu pujante cérebro povoado
De fúlgidas idéias,
Lembra um vulcão eternamente em chama,
Que, como estrofes soltas de epopéias,
Lavas na concha azul do céu derrama,
E, em novos sóis do espírito mudadas,
Lá ficam refulgindo
Como flores do gênio transplantadas
Para o infindo vergel do tempo infindo;

Oh, Minha Terra, que do augusto templo
Da liberdade és fúlgida, coluna,·
E deste sempre o exemplo
Que teu nome de glórias afortuna;
Tu, que sabes partir grilhões infames
E castigar odiosas tiranias,
Cujos pérfidos liames
Despedaças em cóleras bravias,
Pois tens no peito um ninho de condores
Que só podem viver no livre espaço
Das eminências, onde os esplendores
Do sol, que bate os alcantis ingentes,
Lhes forjam bicos de ouro e garras de aço
Para· o extermínio das serpentes;

Oh, Minha Terra!
Ante o teu claro vulto,
Que para a prece os lábios meus descerra,
Na contrição de um culto,
Fremente de emoção, vergada a fronte,
Eu te ofereço nesta pobre taça
De uma folha colhida ao pé da fonte
- O vaso que melhor a água prateia -
Todos os quentes e saudosos prantos
Que, nos momentos de esperança escassa
De te rever, verti na terra alheia.
Recebe esta oferenda de meus cantos,
E faze deles pequenina gema
Que junte um ponto luminoso aos brilhos
Desse régio diadema
Que teus ilustres filhos
Te teceram com o louro do talento
E a oliveira do amor, para que a História,
Num reto julgamento,
Nunca te negue o teu quinhão de glória.

Fonte: Revista da Academia Cearense de Letras

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